Não-monogamia para monogâmicos e não-monogâmicos

Quais os seus objetivos com um relacionamento?

Essa pergunta simples é a base de tudo. A monogamia surgiu com uma solução, ela cumpre uma função. E, spoiler alert, não é gerar felicidade. É como uma ferramenta. O martelo foi criado pra cumprir uma função, que é pregar. Isso ele faz muito bem. Quando você tenta usar pra outra coisa, como aparafusar por exemplo, vai acabar se frustrando e gerando problemas. Entender qual problema cada solução resolve é fundamental. Senão você acaba com um martelo pra aparafusar algo e sem entender porque estragou o parafuso e o martelo. 

Vejamos o casamento monogâmico. Qual o problema que esse casamento resolve?

É uma solução para problemas da sociedade feudal. Ela garante a hereditariedade da família e assim a transmissão da propriedade, das terras e bens. Ela cria uma unidade familiar com uma divisão de trabalho bem estruturada, até recentemente era o homem trabalhando (no campo ou fábrica) e a mulher em casa cuidando dos filhos e tarefas domésticas. Ele resolve o problema de quem herda o que, de quem faz o que e gera estabilidade e controle societário, em alguma medida.

O casamento foi uma solução para problemas diplomáticos por muito tempo. Ele gera a união de famílias, tribos, clãs e estados. O casamento (como expressão última da monogamia) foi talvez uma das principais ferramentas políticas ao lado do ato da guerra. Internamente ele gera também uma sensação de segurança e estabilidade, é uma ferramenta galgada no medo da solidão, e foi adotada pela igreja como forma de controle e ordem social. 

É bem simples. Quem está casado está encaminhado para seguir servindo à sociedade ao criar sua família e quem ainda não namora sofre a pressão de seguir esse caminho o quanto antes, ou sofrer as consequências – e ser julgada pelos demais membros da tribo. 

Os tempos e circunstâncias mudaram, mas as normas sociais demoram a se atualizar. A mulher já é muito mais independente do homem social e financeiramente, o sexo é feito em sua maior parte por prazer e não para reprodução, outras estruturas de vida familiar e profissional já são viáveis. 

A maioria dos votos de casamento mostram que ainda vemos o parceiro como “tudo”. O melhor amigo, companheiro de viagem, pessoa pra te satisfazer sexualmente, com quem ver filmes, praticar esportes, decidir quanto dinheiro gastar e quanto economizar, como criar os filhos, etc, etc. É um fardo pesado de expectativa sobre o outro. 

Hoje buscamos felicidade em uma solução que não foi feita para priorizar isso. É como querer um jantar romântico, elegante à luz de velas no McDonald ‘s. Esse lugar não foi feito pra isso. Ele foi desenvolvido pra fornecer uma refeição rápida, saborosa e com um baixo custo. Tudo nele tem isso em mente. Se é isso que você quer, essa solução se encaixa. Se não é, a chance de insatisfação é bem grande. Não use uma furadeira pra pregar um prego. Vai estragar o prego e a furadeira. 

Monogamia e casamento não são a mesma coisa, mas estão intimamente ligados. O casamento é a expressão última da monogamia, seu ápice, e todo relacionamento monogâmico vive à sua sombra. Um namoro que dá certo é o que segue a jornada para o casamento, e se termina antes foi um “fracasso”, “não deu certo”. Mesmo na fase de namoro ele já segue, em menor intensidade, todas as premissas que o casamento virá a seguir – a expectativa de exclusividade, não só do sexo, mas da atenção, do desejo, do amor, os ciúmes e posse, o pacote completo.

Se a sua expectativa em uma relação monogâmica é “viver felizes para sempre”, a frustração será uma inesperada visita que poderá ficar por um tempo indeterminado. 

A proposta do relacionamento aberto, e existem dezenas se não centenas de formas diferentes de se relacionar dentro do guarda-chuva “não-monogâmico”, é montar algo com a (ou as) pessoas do relacionamento que satisfaça ao máximo possível as vontades de cada um. 

Um primeiro obstáculo perigosíssimo é o estado mental de competição. É uma egotrip na qual a grande maioria das pessoas embarca. Quando você fica, transa, se relaciona com alguém “só porque” o seu namorado está com alguém. Pode ser de raiva, pra dar o troco, pode ser só pra se sentir desejada, pra fugir do tédio, pra tirar a cabeça do ciúmes. Existem vários motivos. Todos, TODOS levam a um estado pior que o anterior. Não resolve nada e acaba fazendo mais mal do que bem, mais cedo ou mais tarde. 

Não tem como ganhar no jogo da competição num relacionamento. Como disse nossa ex-presidente, “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. O único jeito é não jogar esse jogo. 

Parte do problema é VOCÊ, e como você vê o problema. Parte de todo problema é como você percebe esse problema. “Dar o troco”, por exemplo, é assumir e afirmar pelas suas ações, mais uma vez, que o sexo ou a troca afetiva é algo que a pessoa “perde”, em geral a mulher, que ela se desvaloriza de alguma forma. Valida a ideia da posse pelo outro. Posse essa da qual você tem algum controle, sim, e pode escolher “tirar dele” pra dar a outro. Como um objeto, que se eu estou com raiva de como você me tratou, empresto seu carro pra alguém, e você fica sem. 

A diferença é que o carro não tem sentimentos sobre como é usado. O dono pode ter ciúmes e se incomodar, mas o carro não. E nessa analogia, o carro é você. Mesmo que tenha prazer, o ponto aqui são as “verdades” inconscientes sobre a monogamia que você está validando fortemente, especialmente a da posse. Ao ficar com alguém pra competir com o parceiro, você está usando a si mesmo e ao ficante, está dizendo que sim, você é uma posse dele, está afirmando que o seu valor vêm, ao menos em parte, pela validação externa, pelos outros, e quem tem mais ‘outros’ no histórico é o melhor. Isso é completamente autodestrutivo. 

A premissa principal de um relacionamento aberto é a liberdade e independência de cada pessoa. A vida de cada pessoa é dela, e estar junto com outro, por quanto tempo for, é uma escolha que é feita conscientemente e repetidas vezes. Outra premissa é que desejamos o melhor ao outro. Que ele ou ela tenha a vida mais feliz que puder. Enquanto nossos caminhos estiverem juntos e fizermos bem um para o outro, ótimo, faz sentido estar juntos. Nada mais. 

O ser humano é dinâmico, volátil, a única constante real no universo é a mudança (e a velocidade da luz). Você não é o mesmo que foi há 10 anos atrás, 5 anos, nem 5 minutos atrás. E não vai ser o mesmo no futuro. Suas vontades vão mudar, algumas vão se manter, mas as circunstâncias vão mudar, e isso é ao menos em parte assustador. Buscamos segurança, estabilidade, e aceitamos ilusões onde a verdade é assustadora ou dolorida demais. 

Essa troca da realidade pelo placebo da ilusão é vendida à prestação, mas os juros são altos e a conta sempre chega no final. 

Mais de 50%, em alguns lugares 70% dos casamentos terminam em divórcio. É uma taxa de sucesso ridícula, pra quem entende o divórcio como um “fracasso” do casamento. Mais assustador é a quantidade de casais infelizes que se mantém dentro do casamento, infelizes especificamente por causa do casamento, com índices surreais de abuso doméstico, violência verbal, física, pessoas que vivem diariamente em ambientes tóxicos. Esse é o verdadeiro fracasso. E por mais que cada caso seja um caso, as estatísticas mostram que a instituição do casamento, como via de regra, não gera felicidade pra maioria das pessoas no longo prazo.

Essa verdade é dolorida. É inconveniente, e vai na contra-mão de tantas “verdades” que fomos adestrados à internalizar. Pois a ilusão que nos é vendida é da segurança do casamento, da certeza da estabilidade da vida familiar, do “felizes para sempre” ao final de cada conto de fadas. Mesmo todo mundo sabendo que a traição pelos homens e mulheres sempre existiu e está hoje mais viva que nunca, que os divórcios são sempre uma opção, que tudo pode terminar, ainda alimentamos essa ilusão de “segurança e estabilidade” no casamento. 

O relacionamento aberto é uma busca por uma forma mais honesta de se relacionar, e de se viver. Ele aceita a premissa de que o ser humano é um ser volátil e que os desejos por outra pessoa são naturais. Nem todo desejo precisa ser realizado, mas uma segunda premissa do relacionamento aberto é que o sexo, ou a troca afetiva, não é intrinsicamente ruim. Muito pelo contrário, ela naturalmente pode ser abusada como tantas coisas, mas tem o potencial de ser algo extremamente satisfatório, prazeroso e saudável. 

Ter uma auto-imagem positiva é importante? Sim. Tem gente que exagera, vira narcisista, anoréxica, bulímica, obesa, viciada em cirurgia plástica e tantas outras versões? Claro. Isso quer dizer que não se deve buscar uma relação saudável consigo mesmo então? Como sempre, a diferença entre o veneno e o remédio é a dose. A sexualidade pode e já foi muito abusada inúmeras vezes, mas há uma forma saudável de viver e expressá-la, e isso pode acontecer num relacionamento fechado ou aberto. 

A troca afetiva nos chega cheia de tabus depois de séculos de imposição de culpa pela igreja, de uma forma realmente inconsciente, que nos é alimentada por meio de filmes, músicas, histórias e tudo o mais. Há quem busque o sexo de uma forma egóica, desequilibrada, quem queira se validar, quem use pra ter poder e etc. Mas isso significa que o sexo em sí é ruim? Ou que não tenha uma forma saudável e extremamente positiva de viver essa experiência?

Se livrar do tabu do sexo e da troca afetiva como algo negativo é um passo essencial. O seguinte é se livrar da ideia de posse sobre outra pessoa. A escravidão acabou mas esse conceito de posse do outro vive escondido e mascarado nas relações afetivas. Até pouco tempo o homem podia literalmente assassinar sua esposa pelo crime da traição. Não pra livrar o mundo de uma pessoa tão vil capaz de tal crime, mas pra reparar a sua honra, o seu ego, a sua imagem. Ela transar com outro é um problema pois diminui ele, ela era parte dele, uma parte estranhamento independente, então precisava ser controlada. O mundo ser machista é ele ter instituições machistas. 

Por anos pessoas machistas criaram regras oficiais e não-oficiais que colocaram a mulher abaixo do homem. Isso foi extremamente nocivo aos dois, tanto aos homens quanto às mulheres, de formas diferentes. Por isso diz-se que o mundo é machista. Não é só que ele contém pessoas com pensamentos e visões machistas (apesar de sim, ele conter), mas que as instituições e regras sociais machistas ainda perduram. 

Essa visão de posse na relação é profunda, afetando tanto homens quanto mulheres. Ainda é pra muita gente um sinal inofensivo de amor o fato da pessoa sentir ciúmes. “Só não sente um ciuminho quem não gosta do outro”. 

O sentimento de posse pelo outro não é saudável. Pode ser manejável em intensidades menores, mas é sempre algo que nasce de um desejo pelo controle do outro, da busca do domínio de certos sentimentos e emoções. 

A posse nasce do ciúmes, e o ciúmes nasce do egoísmo, não do amor.

Sentimos emoções boas e ruins, e nossa vida pode ser resumida pela busca de emoções prazerosas e pela fuga de emoções negativas. Do mais simples ao mais complexo ato de um ser humano, tudo é, em última instância, a busca pelo prazer e/ou a fuga da dor. 

Podemos fazer isso com maior ou menor eficiência, trocando um prazer agora por uma dor futura, e vice versa, mas é assim que agimos. Coisas e pessoas fazem parte das situações que nos geram prazer e dor. Eu como uma torta de chocolate, sinto prazer, e coloco energia em repetir essa experiência. Toda uma indústria existe e se mantém em função desse desejo. Eu consigo o controle do meu prazer ao controlar a torta.

Para a torta existir, estar disponível, acessível para me dar prazer, há de existir desde a indústria agropecuária que vai plantar, colher e tratar o cacau, até os mercados e lojas, as propagandas e entregadores que garantem que eu, como cliente, tenha acesso à sensação que eu tenho ao comer a tal torta de chocolate, o máximo possível, quando quiser. Eles me dão controle sobre a torta, para eu assim ter controle sobre o prazer. Não me dão, me vendem, e eu troco o poder que adquiri em forma de dinheiro por uma tentativa de ter um prazer em particular. Eu domino e controlo esse prazer.

A torta de chocolate, no entanto, não tem sentimentos, não tem opiniões sobre o meu desejo de controle, de tê-la à minha disposição quando eu quiser pra satisfazer o meu desejo. Se eu abuso da torta, quem sofre sou apenas eu. 

Pessoas não são assim. Se eu tenho prazer em estar com você de uma forma, e eu começo a tentar te controlar, pra garantir que vou ter essas sensações de novo, quando eu quiser, isso pode funcionar enquanto o seu desejo for esse também. Mas sendo um ser independente e com vontades próprias, eventualmente nossas vontades estarão desalinhadas, e aí começam os problemas. Você deixa de estar disponível, como a torta, e eu busco te controlar. 

A gente gosta de repetir um prazer. Como você tem sentimentos a respeito de como eu lido com você, a busca pelo controle sobre o outro gera muitas consequências. Entender e aceitar que o outro é um ser independente e que, por mais que estar junto possa ser bom, que façam-se planos de seguir assim e tudo o mais, as coisas podem mudar. Ter um relacionamento aberto saudável, autêntico, é necessariamente aceitar a imprevisibilidade da vida, o inerente estado de incerteza que é a condição humana. Tudo pode mudar, sempre. Tudo muda, sempre. 

Eu desejo que todas as pessoas tenham a melhor vida possível. Com o máximo de prazer e o mínimo de dor. Se eu gosto de alguém, mais ainda. Se eu entendo trocas afetivas como uma importante forma de prazer, de crescimento, como experiências incrivelmente válidas, é natural que eu vá desejar isso ao outro. 

Ah, mas precisa ser o tempo todo? Não pode ser só comigo, pelo menos por um tempo?
Tudo pode, não existem regras escritas em pedra. O importante é entender de onde vêm os seus desejos. São motivados pelo medo ou pela busca por uma ilusão que esconde um medo? São expressões autênticas de um desejo, são coerentes com quem você quer ser?

Existem milhares de situações, detalhes práticos, logísticos, menores e maiores que vão gerar atritos em qualquer relacionamento. Um relacionamento aberto além de todos, ou a maioria, dos atritos que conhecemos da monogamia, ainda somam os de ter outras relações em paralelo. Mesmo sem ciúmes haveriam questões, e com o ciúmes, posse, medo da perda, competição e etc essas questões podem virar montanhas insuperáveis. 

A forma de lidar com isso, uma forma ao menos, é alinhar expectativas e começar pela primeira pergunta desse texto. Qual o seu objetivo com esse relacionamento? O que você quer dele, o que espera?

E o que significa isso que você respondeu? O que é exatamente pra você “ser amada”, ou “estar com alguém que me prioriza”? 

Essas respostas amplas são códigos, são imagens mentais bem particulares. Muitas vezes não está nem claro pra pessoa que respondeu. Isso vale até pra amizade também. O que você espera dos seus amigos? 


“Tenho amigas que são ótimas pra segurar a minha barra quando meu pai está com câncer, mas jamais sairiam comigo para dançar e badalar (“ai, odeio lugar escuro, apertado, música alta! deus me livre!”).

Tenho amigas que não aguentam um minuto de conversa sobre câncer (“vira essa boca pra lá, falar sobre isso atrai, quero viver!”) mas são as melhores companheiras para sair, dançar, beber, badalar.

Tenho amigas que me visitam sempre, mas que jamais me convidaram para conhecer suas casas (“minha casa é um santuário, sabe? me sinto invadida quando recebo visitas.”)

Tenho amigas que nunca me visitaram (“perdão, tenho um prazo estourando, tô com a minha filha hoje, não vai dar pra sair”), mas que sempre me recebem em suas casas para dias deliciosos de conversa e coworking.” (trecho do texto ‘Esperando pela amizade perfeita’ do Alex Castro)

Saber especificamente quais são os seus desejos e expectativas com o outro não resolve nada, mas é um GIGANTESCO primeiro passo. Quando você sabe o que quer, é muito mais fácil encontrar. Quem procura acha. E vale ter muito clara a diferença entre o que eu quero e o que eu quero querer. Eu adoraria querer comer salada todo dia, mas hoje eu quero mesmo é torta de chocolate. Ok, eu posso querer mudar, me tornar o tipo de pessoa que nem quer tanto a torta, mas não se engane, não se iluda. Saiba quem você é e o que quer, e tenha uma visão REALISTA do quanto você consegue mudar. 

O relacionamento aberto não é uma panaceia, não é uma solução melhor ou superior, nem mais evoluída. Não se aplica a todos, e mesmo à quem se aplica, não é uma solução o tempo todo. Somos dinâmicos e mutáveis. Assim como a monogamia é sim uma solução pra muitas pessoas, ou pode ser. Um ponto importante e que faz muita diferença é ela ser vista e compreendida como uma opção. Apenas isso. Uma de várias opções. 


Você quer fazer exercícios? Tem a academia. Tem o crossfit. Pode correr, andar de bicicleta, jogar basquete, vôlei. Tem muitas opções. Seria ridículo dizer que apenas malhar é a única opção, que todo mundo tem que fazer isso. 

A monogamia é uma opção, e vai ser uma boa opção pra certas pessoas, certos casais em determinados momentos da sua vida. É parte do autoconhecimento se descobrir. Como você quer as suas relações? Como lida com o ciúme, com a posse, tanto sua quanto da pessoa com quem convive? Onde há distância entre o seu pensamento, seus valores e os seus sentimentos? Onde há hipocrisia nas sua ações?

A vida boa, uma vida que contém progresso, evolução, desenvolvimento pessoal, demanda reflexão. Demanda tentar, testar, aprender na prática, errar, voltar, corrigir o erro e tentar de novo. Demanda atitudes conscientes. Isso não quer dizer fazer ou aceitar o que te faz mal. Quer dizer tentar entender porque você quis aquilo, como te fez mal, como pode ser diferente e se você está disposta a mudar por isso, pra isso. 

Se a filosofia do relacionamento aberto ressoa em você, saiba que essa é uma jornada longa e cheia de obstáculos. Ela vai cobrar muita reflexão, muita honestidade. Há o obstáculo prático, logístico do dia-a-dia, há o ciúme, a posse, a comparação, o medo de ser abandonado, do outro ser melhor, a culpa por sentir coisas com as quais você discorda, a busca disfarçada e manipuladora por formas indiretas de controle, e tantas outras. Há muita ajuda também, pessoas que vivem esse tipo de relação e compartilham seus erros e acertos. 

Buscar viver uma vida mais honesta e cuidadosa com o outro pode ser mais desafiador, mas contém muitas recompensas também. A variedade das trocas, a riqueza das relações, a coerência em viver o que se acredita, e tantas mais. O relacionamento é uma tentativa de resolver o eterno dilema do solteiro ou casado. A vida de solteiro contém variedade, excitação, novidade, tesão. Mas não tem estabilidade ou segurança, não tem aprofundamento e trocas que dependem de longos anos. O casamento supostamente oferece a estabilidade, ou a ilusão dela, mas mesmo quando oferece, ele cobra na variedade. É difícil estar com a mesma pessoa a 10, 15, 20 anos e ainda ter tesão e excitação. O relacionamento aberto saudável busca equilibrar esses desejos. Mas isso não é fácil e existe muita margem pra erros. 

Não quero convencer ninguém a ter relacionamentos abertos, não busco converter monogâmicos nem nada disso. Quero compartilhar minhas experiências e mostrar de verdade que não só a monogamia é uma opção, evidenciar os pros e contras de cada opção disponível. Fazer uma escolha consciente só é possível em frente aos fatos. 

Duas dicas para um relacionamento aberto saudável:

1. Tenha projetos pessoais.

Pode ser trabalho, hobby, amizades, filmes, séries, outras pessoas, outras relações. Tenha outros focos, outros pilares na sua vida, coisas que você pode fazer sozinha e que te dão prazer, te instruem, te alimentam, te divertem, te distraem. 

Não quer dizer que são coisas/atividades que precisam estar sempre, necessariamente separadas do seu parceiro. Posso sair pra dançar como algo meu, mas um dia chamar minha namorada e curtir com ela também. 

A ideia é você ter coisas que você pode e gosta de fazer sem a pessoa. Em alguns momentos podem ser só uma distração mesmo. O melhor é ter uma rede de coisas. É muito mais fácil parar de pensar no date da seu namorado quando você ta realmente vivendo algo interessante do seu lado. Um projeto de longo prazo, um curso importante, coisas que realmente prendam a sua atenção, que te sejam positivas de diversas formas. 

2. Se prepare pra lidar com os obstáculos internos. 

Por mais evoluída que você seja, o ciúmes, raiva, rancor, essas e outras emoções vão aparecer em algum momento. Tenha uma expectativa alinhada do que vai vir e de como você quer, ou pode, agir. Eu descobri um lembrete de 3 pontos que uso quase como um mantra sempre que estou inseguro/mal/enciumado, etc. 

1. Ela não é, nem nunca foi ou será, minha. 

A vida dela é dela, não é minha. Ela faz o que quiser. Podemos estar junto em momentos, mas eu não posso perder o que nunca tive. Ela escolheu estar comigo em alguns momentos, e eu com ela, e enquanto isso for bom pros dois ótimo, mas é só isso. Eu quero que ela seja feliz e seja independente, e forte, e cresça, e etc. 

2. Eu sou foda. 

Eu tenho muito valor, tem muita gente que me admira, me deseja. (Não é forçar a barra aqui, mas sim lembrar sem se enganar ou mentir que sim, você tem muito a oferecer. Todo mundo tem defeitos, mas num momento de insegurança tendemos a ver o outro em cima e nós mesmo em baixo. Aqui é uma frase pra lembrar que você é sim foda, valiosa, inteligente, o que seja. Pense nas palavras que te impactam, que simbolizam o que você sabe que gosta em você mesma). 

3. Foco no que eu tenho. 

Como está a nossa relação quando estamos juntos? O que eu posso fazer de diferente pra mudar, melhorar? 

Eu quero que ela viva as melhores experiências que puder. Viva a vida que quiser. Isso inclui cometer erros e aprender com eles. As experiências incluem relações, sejam de amizade, de trabalho ou com trocas afetivas. É muito fácil focar no problema, no outro, na situação que eu não posso controlar. Quero focar em mim, no que eu quero, na minha relação com ela. Se está ótima, perfeito, curte o momento sozinho com outros projetos, hobbies e etc. Se está ruim ou pode melhorar, foca em fazer isso, não no que ela faz com outros. Não significa fechar o olho, mas saber quando um pensamento deixou de ser útil, cumpriu sua função e passou a ser uma visita indesejada. É hora de o convidar a se retirar (como? pensando em outra coisa é o que mais funciona. Ele volta as vezes, e ganha quem for mais persistente)

Essas 3 frases viraram mantras, âncoras que me relembram pontos importantes nos momentos de dúvida, insegurança ou carência. Há momentos que a insegurança está mais em uma coisa que em outra. Há momentos que eu to mais mal, então lembrar de como “eu sou foda” faz mais sentido. Em outros, é mais sobre pensar em como ela não é e nem eu quero que seja minha, que a nossa relação é uma decisão consciente de dois adultos que querem viver o melhor que podem, o que inclui mudar de ideia. Que tudo bem se viermos a terminar, o fim é apenas o fim, a morte faz parte da vida tanto quanto o nascimento, e que muito provavelmente ainda vamos seguir por um bom tempo, está tudo bem, foi apenas um date, ou um envolvimento, ou que seja. 

Há vezes que vale lembrar como tudo está bem, ou como o que temos tem valor e focar nisso, em ter mais momentos de qualidade, independente do resto. Um pouco de egoísmo pode ser útil. Ta bom pra você? Se sim, o que importa o que acontece sem você? Se é “só” o medo da perda, muitas vezes agindo em cima desse medo você cria a profecia que se auto-realiza. 

Pode acontecer um término, sempre pode. A grande maioria dos relacionamentos termina em algum momento por uma decisão de uma das partes. O ciúme e a posse não impedem que isso aconteça, muito pelo contrário, tendem a acelerar esse processo. Foque no que você pode controlar, em ter bons momentos com a pessoa, em curtir, em trocar.

Se os sentimentos negativos são fortes demais, talvez essa vida não seja pra você, pelo menos não por agora. E tudo bem. Quem sabe mais pra frente. Mas não fuja ao primeiro sinal de desconforto. Anos, séculos de programação social, tabus e regras moralistas não vão se dissolver facilmente. 


Eu acredito que a sua qualidade da sua vida vai ser extremamente influenciada pela qualidade dos seus relacionamentos, e que nesse quesito da sua vida, toda energia investida gera rendimentos milhares de vezes maior. 

Se relacionar de forma consciente é viver de forma consciente. Os relacionamentos, abertos ou fechados, são lentes de aumento que vão ampliar nossos traumas, medos e inseguranças. Você pode optar por fugir ou enfrentar de frente, mais uma vez, isso independe do estilo de relação que escolhe. Cada tipo cria um ambiente que força mais alguns pontos. O relacionamento fechado de longo prazo te força a se abnegar e dedicar a um outro em particular, enquanto o relacionamento aberto te força a lidar mais com o ciúme a posse, de maneira geral. 

Pode-se ser feliz em qualquer formato de relacionamento. Mas lembre que pra onde for, você se leva consigo. Irão juntos todos os seus problemas, conscientes e inconscientes. O relacionamento vai expor muitos deles. Cabe a você escolher como vai lidar com cada um. 

A possessividade é um egoísmo disfarçado de amor. A posse é o desejo pelo controle, pelo domínio. Algo em você sente que precisa disso, demanda isso, sente raiva do outro. Essas emoções e sentimentos são, em geral, inconscientes. São traumas antigos, questões que temos desde a infância, da relação com o pai, com a mãe, das rejeições que tivemos e as estratégias que usamos pra lidar com elas. 

Todo problema da relação é um reflexo de um problema pessoal de cada um. Todos temos problemas, em maior ou menor grau, todos temos questões mal resolvidas da infância e projetemos isso no outro, sem saber. 

O relacionamento aberto não resolve nada, ele tende a expor mais rapidamente alguns pontos que outros. Se você acredita que o sexo não é sujo ou errado, se deseja que as pessoas vivam as melhores experiências que podem, se quer ter uma relação mais honesta e transparente, com cooperação no lugar de competição, você pode sim iniciar essa jornada da não-monogamia.

Se não é o seu momento, tudo bem, os principais aprendizados de quem vive relacionamento abertos é o da comunicação. De ter escolhas conscientes, de buscar ouvir mais e aceitar a realidade do outro, de lidar menos com máscaras, de ter uma expectativa mais alinhada dos problemas e desafios que estão pela frente. 

Meu desejo sincero é que você seja feliz no relacionamento que escolher, inclusive se a escolha for ficar sozinha. Tudo é temporário nessa vida. 

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