Descomprar

Vivemos numa sociedade na qual, cada vez mais, somos o que temos. Focar nas coisas gera ansiedade, insegurança e um tipo de apego bastante danoso. Pense duas vezes antes de comprar, e pense mais ainda em como descomprar.

TravessiaPT20.jpg Foto tirada pelo Pedro Pagnoncelli na travessia Petrópolis-Teresópolis. Em caminhadas assim cada kilo a mais se transforma em 10 ao longo do percurso. O que optamos por carregar é tão importante quanto o que optamos por não levar.

Acho que tenho mais prazer me livrando de algo que não uso do que comprando. Comprar é bom, admito, mas se livrar, seja doando, vendendo ou jogando fora é melhor ainda. Uma coisa a menos com o que se preocupar, uma sensação de leveza, de desobstrução. Existe um movimento no mundo que é um estilo de vida: o minimalismo. Os adeptos buscam viver com o necessário apenas, o mínimo para terem conforto, sem excessos.

Acho que esse movimento é uma resposta a um padrão de consumo bem exagerado, no qual é normal numa casa com trës pessoas ter quatro aparelhos de TV e mais os computadores, no qual as pessoas têm roupas que estão há mais de um ano sem usar. No outro extremo estão os acumuladores. Hoje em dia, já é aceito como doença a necessidade de acumular tudo, mas a verdade é que a média, mesmo do brasileiro, ainda tende a pecar pelo excesso. E isso independe de ser rico ou pobre. Claro que um mendigo tem menos oportunidades para acumular, mas fora isso é uma questão de mentalidade e hábitos. Tem a ver com o apego às coisas. Em alguns casos, com a identificação com as coisas, com um senso de segurança em se sentir preparado e um medo do imprevisto. “Melhor guardar esse vidrinho de conta-gotas, né? Vai que algum dia eu preciso colocar algo aqui dentro.”.

Nossa mente é o bem mais precioso. A qualidade dos nossos pensamentos é a qualidade da nossa vida. Criar o hábito de dar coisas que não precisamos, facilita também quando queremos nos livrar de emoções que não mais nos servem, como um rancor, uma raiva, um ressentimento, uma inveja. De nada nos servem, e ainda fazem mal. Mas, costuma ser mais fácil começar com coisas físicas, a imagem é mais impactante, e é mais fácil medir também. Mantemos um registro mental de tudo o que temos, e assim cada item doado cria um espaço vazio.

Eu costumava guardar coisas que não uso muito para uma eventualidade. Na hora, eu visualizava um cenário que fazia total sentido. Por exemplo, não uso nem gosto de usar boné. Mas, tinha uns três guardados, pois vai que eu vá numa viagem para um lugar de muito sol e preciso do boné? Com o tempo, vi que usava tão pouco que dei dois deles, e fiquei só com um. “Agora sim, realmente três era um exagero”, pensei. A verdade é que simplesmente não uso, e ele ficou esquecido. Quando apareceu uma situação onde precisei de um boné pedi emprestado para alguém, pois nem lembrava que tinha. E esse é o padrão. Tantas coisas que guardei num fundo de armário e esqueci, que seria mais útil nas mãos de outro.

A regra clássica para roupas é: se não usou nos últimos seis meses pode doar sem cerimônia. Outros itens como provas do colégio, cadernos antigos, sempre guardei pensando que se um dia precisasse lá estariam. Nunca precisei. Nunca quis olhar nem ler. No dia de jogar fora foi legal relembrar momentos ao ler trechos, e na hora pensei em voltar atrás e guardar alguns, mas tenho certeza que voltariam ao total isolamento. Se for o caso, guarda um e pronto. O resto ocupa espaço, junta poeira e te dá essa sensação de ter coisas. Um monte de coisas.

Se for para ter algo, que seja uma decisão consciente. O caminho natural do minimalista é esse. Substituir quantidade por qualidade. O hábito de se desfazer de coisas se mostra na hora de adquirí-las. Já penso duas vezes se realmente quero aquilo, se vou usar, se vai valer a pena. Minha estante estava envergando sobre o peso dos livros. Guardava alguns por achar que podia querer consultar em algum momento, e outros apenas por vaidade. Fiz um cadastro numa estante virtual, onde mantenho o registro de tudo que li e ainda faço resenhas, e dei todos os livros. Hoje em dia leio num Kindle, que é infinitamente melhor. Mesmo nele costumo deletar o livro depois de lido. Se preciso consultar algum livro que já li, vou numa livraria. Se for do kindle, tenho ele disponível na nuvem e posso baixar a qualquer momento.

Descobrir o prazer de ‘descomprar’ e de viver sem exageros tem se mostrado quase um estilo de vida. Assim, como o mercado de coisas usadas, brechós e etc. Quanto menos tenho, mais presto atenção ao pouco que tenho, e mais aprecio também. Existe um movimento que diz que não precisamos possuir coisas, apenas o acesso a elas. Em alguns casos não há diferenças, mas a maior é mental mesmo. Não ter sua segurança atrelada a sua conta no banco ou num bando de entulho em casa, e ver o valor real das coisas, nem demais, nem de menos.

Para fechar, uma frase bonita: um dos problemas da atualidade é que amamos as coisas e usamos as pessoas.

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